Mais uma vez bem vindos a este espaço, tal como me havia comprometido na publicação anterior, a presente publicação ostenta 20 perguntas e respetivas respostas no que toca às linhas de alta tensão, debatendo também a sua repercussão ao nível da saúde publica.
1-
Que relação têm os campos eletromagnéticos das linhas de Alta Tensão com a
radioactividade?
Nenhuma.
A energia radiada nos campos eletromagnéticos é proporcional à sua frequência
(a rapidez com que oscilam). A partir de um dado valor, que só ocorre para
radiações eletromagnéticas com frequências próximas da da luz visível, essa energia
é capaz de arrancar eletrões aos átomos da matéria, dizendo-se então que é
ionizante. As radiações ionizantes podem, em princípio, alterar as moléculas do
ADN e, por conseguinte, causar mutações cancerígenas. A luz do Sol, por
exemplo, é cancerígena para a pele. As radiações cósmicas, as dos elementos
radioativos, os raios X, são todos ionizantes e reconhecidamente cancerígenos
quando a exposição humana a esses agentes é intensa e prolongada.
Os
campos eletromagnéticos gerados pelos condutores de energia elétrica, pelo
contrário, têm Extremamente Baixas Frequências (EBF) e por isso não são
ionizantes, sendo incapazes de alterar o ADN. O quase-estático campo magnético
da Terra, que é aliás muito mais intenso que o gerado por qualquer linha
portuguesa de Alta Tensão, até nos protege dos efeitos cancerígenos da radiação
cósmica e das partículas de alta energia dos ventos solares, desviando-as para
os pólos.
Na verdade,
os especialistas em energia elétrica nunca usam o termo “radiações” para se
referirem aos campos eletromagnéticos das linhas de Alta Tensão. Quem começou a
usar esse termo, explorando um reflexo condicionado de medo que todos temos da
radioatividade, foi o jornalista americano Paul Brodeur do semanário New
Yorker, há cerca de 15 anos. Brodeur escreveu vários livros em que pregou a
existência de uma grande conspiração das empresas de eletricidade, dos fabricantes
de equipamentos, dos media, do Pentágono e dos Governos para esconderem
supostos malefícios das “radiações” eletromagnéticas, apresentados de forma
semelhante aos da radioatividade.
2- O ruído emitido pelas
linhas de Alta Tensão é uma manifestação de radiações?
Não.
Mesmo junto aos condutores das linhas de Muito Alta Tensão, quando há
irregularidades na sua superfície resultantes da acumulação de poeiras ou de
gotas de chuva ou nevoeiro, o campo elétrico das linhas pode ionizar as
moléculas de ar, que é o que causa o ruído referido. Esse campo decai muito
rapidamente com a distância à superfície dos condutores e, por isso, essa
ionização só ocorre numa fina coroa de ar em torno dos condutores, razão por
que o fenómeno é conhecido como “efeito coroa”. A partir de alguns
centímetros de distância da superfície dos condutores já não há ionização. O ar
ionizado pelo efeito coroa nas linhas de Muito Alta Tensão mistura-se
depois com o outro e pode ser levado pelo vento até alguns quilómetros de
distância.
O
cientista DL Henshaw da Universidade de Bristol defendeu, em 1996, que essa
ionização do ar pelo efeito coroa poderia aumentar a deposição de rádon,
um elemento radioativo natural proveniente de certos granitos e existente
normalmente na atmosfera, assim como outras partículas nocivas para a saúde, na
vizinhança das linhas de Muito Alta Tensão. Porém, a esmagadora maioria dos
cientistas especialistas no assunto não acredita que daí possam decorrer riscos
para a saúde, visto haver campos elétricos naturais permanentes na atmosfera
que causam o mesmo efeito. Em 2004, a Comissão Nacional de Proteção Radiológica
inglesa publicou um relatório com o que se sabe sobre o tema. As conclusões são
que a eletrização das partículas normalmente suspensas no ar pelos iões gerados
pelo efeito coroa podem, de facto, aumentar o depósito nos pulmões de
alguns poluentes normalmente existentes na atmosfera, como as finas partículas
dos fumos de escape dos automóveis ou do tabaco. Esse efeito, a existir, poderia
teoricamente traduzir-se num muito pequeno aumento de doenças respiratórias,
mas a observação não o confirma.
Por
outro lado, a ionização do ar é considerada como sendo bactericida e, por isso,
nos últimos anos têm-se vindo a propor e a experimentar com sucesso aparelhos
de ar condicionado ionizantes como forma de desinfectar o ar em hospitais e em
grandes edifícios de escritórios.
3- Que riscos para a saúde pública podem
resultar da exposição aos campos electromagnéticos das linhas de Alta Tensão?
A
resposta depende das instituições em que confiarmos. A Organização Mundial de
Saúde, por exemplo, considera presentemente que para campos muito intensos, no
que diz respeito ao campo magnético só valores acima de 500 microtesla
(unidade que mede o campo magnético) podem ter algum efeito sobre o sistema
nervoso, mas mesmo nas piores condições o campo magnético das linhas de Muito
Alta Tensão não ultrapassa os 30 microtesla. Quanto ao campo elétrico, aquela
organização considera que só há efeitos sobre o sistema nervoso (e não
necessariamente nocivos) acima dos 10 kV/m, o que só é possível de atingir
muito perto dos condutores de Alta Tensão. Estes limiares correspondem a reconhecidos
efeitos agudos e foram traduzidos numa recomendação da OMS de 1998, adoptada
pela Comunidade Europeia em 1999 e que veio a ser posta na lei portuguesa em
2004, contendo factores de segurança adicionais para o público em geral.
Além
destes efeitos agudos, a OMS considera ser possível, embora não seja provado
nem sequer provável, que campos magnéticos de muito mais baixa intensidade
possam estar associados a algumas raras formas de cancro (vd. resposta à
pergunta nº 5), para o que recomenda a adoção de medidas de precaução desde que
não ponham em causa os benefícios sociais e para a medicina da eletricidade, e
tenham custos baixos ou nulos. Estas posições são também adotadas pelos
organismos de Saúde da Comunidade Europeia.
Muitas
instituições científicas mundiais, como a Sociedade Americana de Física, a Academia
de Ciências norte-americana e Associações Internacionais de Engenheiros Eletrotécnicos,
não reconhecem entretanto qualquer risco na exposição a campos eletromagnéticos
de baixa intensidade.
Porém,
há uma instituição incorporando alguns cientistas, o Grupo internacional
“Bioiniciativa” (vd resposta à pergunta nº 12), que considera os campos eletromagnéticos,
que designa por “radiações”, suspeitos de serem causa de uma extensa lista de
patologias similares às atribuídas à radioatividade, e que reclama medidas
radicais contra as fontes de campos eletromagnéticos, nomeadamente o
enterramento generalizado das linhas de Alta Tensão.
4- O que é a Organização Mundial de
Saúde (OMS)? Como estabelece as suas posições?
A
Organização Mundial de Saúde, OMS, é o organismo das Nações Unidas (ONU) para
as questões de saúde, e foi criada com esta em 1948. Além de conjugar
contribuições de todos os países membros que o queiram, dispõe de um staff permanente
de 8 mil cientistas. A OMS inclui uma Unidade de Saúde Ambiental e Radiação
(RAD) que promove um projeto internacional sobre Campos Eletromagnéticos e que
conta com algumas instituições especializadas que têm promovido estudos e
relatórios neste domínio, nomeadamente a Agência Internacional para a
Investigação do Cancro (IARC) e a Comissão Internacional para a Proteção contra
Radiações não-ionizantes (ICNIRP).
Na
elaboração das suas monografias e relatórios sobre campos eletromagnéticos, os
cientistas da OMS começam por produzir um documento preliminar que é depois
divulgado para apreciação prévia por mais de 150 instituições mundiais.
Recolhidas as críticas e comentários destas instituições, elas são revistas por
um Grupo de Trabalho nomeado pela OMS, com perto de 10 elementos todos de
países diferentes, coadjuvados por vários grupos de peritos que totalizam cerca
de 50 cientistas, e que só aprovam o documento final após obterem unanimidade
de todos os seus membros. Todos os cientistas colaboradores da OMS têm de
assinar uma declaração de interesses, de modo a clarificar eventuais compromissos
financeiros ou de ativismo político-ideológico que possam ter nesta matéria.
5- É verdade que a OMS considera os
campos magnéticos como sendo cancerígenos?
Não
exatamente. O que a OMS subscreve é a posição definida em 2002 pela IARC e
reafirmada em 2007, segundo a qual “existe uma evidência limitada para a
carcinogenicidade humana dos campos magnéticos de Baixa Frequência relativamente à leucemia infantil”, e que “não existe evidência adequada
para a carcinogenicidade humana desses campos em relação a todas as outras formas de cancro”, esclarecendo ainda que isso
não se estende a campos elétricos nem
a animais.
A
IARC mantém uma tabela de classificação de vários elementos quanto à sua
carcinogenicidade, que vai dos comprovadamente
cancerígenos como o tabaco, o amianto, o álcool, o rádon, os raio-X
e a luz solar (75 elementos), aos não classificáveis quanto à carcinogenicidade.
Depois dos comprovadamente cancerígenos, a IARC lista em perigosidade os provavelmente cancerígenos (59
elementos), que incluem os fumos de escape dos motores Diesel e os PCB, e
finalmente os possivelmente cancerígenos,
que são muitos (225 elementos). Estes, que incluem o café, os fumos de escape
dos motores a gasolina e os “pickles”, são onde se incluem também os campos
magnéticos de baixa frequência. Para a IARC um agente “possivelmente
cancerígeno” é aquele cujas evidências de carcinogenicidade em seres humanos
são considerada credíveis, mas para as quais não se exclui a possibilidade de
outras explicações.
Frequentemente
esta classificação da IARC é citada sem se precisar que ela se aplica apenas à leucemia infantil e que exclui
expressamente todas as outras formas de cancro.
6- Que evidências considera a OMS
existirem para a sua posição sobre a carcinogenicidade dos campos magnéticos?
As
evidências existentes são duas análises de conjunto (“pooled analysis”)
de muitos estudos epidemiológicos feitos nos EUA, Canadá e vários países da
Europa do Norte, abrangendo mais de 100 milhões de pessoas ao longo de várias
décadas, e em que num deles se observou, perto de linhas de Alta Tensão, um
total de 44 casos de leucemia infantil quando seriam de esperar, na ausência
dessas linhas, de 14 a 35, e no outro, mais abrangente, registaram-se 98 casos
quando seriam de esperar de 42 a 85 casos. Relativamente ao valor médio
esperado, o primeiro estudo aponta para uma duplicação do que seria normal mas,
em números concretos, o que se observou, para uma enorme população e várias
décadas, foram 44 casos quando a média normal esperada seria de 24.
7- Porque diz a OMS que ainda não há
certezas sobre a carcinogenicidade dos campos magnéticos?
Por
duas razões: a primeira é que nenhum estudo laboral confirmou qualquer
mecanismo explicativo de como poderá o campo magnético à frequência das redes
de energia causar alterações no ADN, nem isso é considerado fisicamente
plausível, por esses campos induzirem efeitos no interior do corpo humano muito
inferiores aos dos próprios campos naturais deste.
A
segunda razão é um conjunto de fraquezas
dos estudos epidemiológicos realizados e que têm sido criticadas
por vários cientistas de competência reconhecida pela OMS. Na realidade, estes
estudos, que consistem em comparar o número de casos de doença verificados com
o estatisticamente esperado na ausência dos campos magnéticos, defrontam-se com
duas grandes dificuldades: a primeira é que a leucemia infantil é uma doença
muito rara (1 caso-ano por cada 30 mil crianças, em média), e a segunda é que
pouca gente vive perto de linhas de Muito Alta Tensão (0.5% da população, na
Europa). A combinação destas duas raridades cria um número muito pequeno de
leucemias infantis na vizinhança das linhas de Alta Tensão, o que acarreta
grandes incertezas estatísticas, mesmo quando muitos estudos desses são
fundidos em análises de conjunto.
8- O que falta saber para se ter a
certeza sobre os efeitos da exposição do campo magnético para a saúde?
Dada
a extensão e inconclusibilidade dos estudos epidemiológicos já realizados e
relativos à leucemia infantil, alguns conceituados cientistas consideram que
não vale a pena fazer mais. Por outro lado, também já foram gastos muitos
milhões de euros e dólares em estudos laboratoriais igualmente
inconclusivos.
Na verdade, é muito difícil provar que um qualquer agente é inofensivo para a
saúde, embora em 2008 ainda prossigam alguns grandes estudos do tipo dos já
realizados, agora aperfeiçoados, nos EUA. Por estas razões, a própria OMS
considera que o esclarecimento deste assunto passa pela compreensão é do
processo de desenvolvimento da leucemia infantil, a qual teve recentemente
(Janeiro de 2008) um grande progresso com a identificação dos genes envolvidos nas
mutações cancerígenas que a iniciam.
Presentemente
pensa-se que a maioria dos casos desta doença, que em regra se manifesta antes
dos 3 anos de idade, resulta de uma predisposição genética presente em cerca de
1% das crianças, promovida depois por uma reacção imunológica desadequada a uma
infeção vulgar, como uma constipação ou uma gripe. Um fato interessante
comprovado, por exemplo, é que nas crianças expostas desde muito cedo ao
ambiente de infantários com pelo menos outras 3 crianças, a taxa de leucemia
infantil é metade da que se verifica nas que ficam sempre em casa, no 1º
ano de vida, com mães domésticas; a exposição precoce a contágios infeciosos
parece amadurecer saudavelmente o sistema imunitário. A leucemia infantil
também é ligeiramente mais frequente nas famílias ricas, o que se pensa
resultar de estas terem ambientes mais assépticos em casa.
Há,
naturalmente, outros agentes causadores da leucemia infantil, como a
radioactividade e os raios-X. Quanto a estes comprovou-se que aumentam em 50% o
respectivo risco quando as mães os recebem durante as gravidezes. Por este
motivo, aliás, se deixou de praticar medicamente raios-X a grávidas.
9- Se as suspeitas sobre a
carcinogenicidade do campo magnético das linhas de Alta Tensão se confirmarem,
que taxa de mortalidade daí decorre para Portugal?
Em
primeiro lugar temos de calcular a taxa de morbilidade associável às
linhas de Alta Tensão.
Para
isso temos de começar por saber qual o número de casos de leucemia infantil
observado em média em Portugal. Podemos usar dois processos: o primeiro é usar
as estatísticas da Direcção-Geral de Saúde e dos IPO, e o segundo é extrapolar
dos números espanhóis (3.4 casos por cada 100 mil menores de 15 anos), e também
se pode combinar os dois processos. A razão da necessidade destes cálculos é
que infelizmente não se consegue encontrar esse número exato nas estatísticas publicadas
em Portugal. O número calculado é de cerca de 50 por ano.
Como
só 0,5% da população vive “magneticamente perto” das linhas de Alta e Muito
Alta Tensão, isto conduz ao número de uma
leucemia infantil esperada, cada 4 anos, “perto” dessas linhas.
Admitindo
que, como no estudo mais pessimista em que se baseou a IARC para a sua classificação
dos campos magnéticos como possivelmente cancerígenos, estes duplicam a
incidência da doença, então àquele caso normal teremos de adicionar outro,
associado aos referidos campos.
Outra
via para estimar o referido número é admitir que será semelhante ao calculado
na Suécia pelo estudo epidemiológico ali realizado em 1993, considerando que
esse país tem 9 milhões de habitantes, o que conduz ao mesmo número de uma
leucemia infantil cada 4 anos associada às linhas AT.
Em
segundo lugar temos de considerar a taxa de mortalidade da leucemia
infantil, hoje em dia uma doença com uma elevada taxa de cura nos países mais
desenvolvidos como a França ou os EUA. Nesses países, a taxa de cura
(sobrevivência ao fim de 5 anos) é presentemente de 85%, mas alguns números
apontam para que, em Portugal e infelizmente, ainda seja de só 60%.
Assim,
se considerarmos o estado recente da medicina portuguesa, teríamos uma morte esperável cada 10 anos (4/0,40);
mas se acreditarmos que ela vai melhorar no sentido da francesa teríamos uma morte esperável cada 25 anos (4/0,15)…!
Para
se ter uma ideia destes números, vale a pena notar os seguintes: número anual
de mortes de crianças por acidente em
Portugal: mais de 500, dos quais
a maioria de viação; número anual de mortes em acidentes de trabalho com eletricidade,
em Portugal: 12.
10- O que quer dizer exactamente a OMS
quando recomenda o princípio da precaução relativamente aos campos magnéticos?
Num
relatório publicado em Junho de 2007 (“facts sheet nº 238”), a OMS explicita
o que entende precisamente com tal recomendação, a saber, e no que respeita a
medidas técnicas:
“Justifica-se
e é razoável a implementação de medidas de muito baixo custo para reduzir a exposição
(aos campos magnéticos de extremamente baixa frequência, EBF), desde que isso
não comprometa os benefícios para a saúde, sociais e económicos da energia elétrica;
Os
políticos, os planificadores das comunidades e os fabricantes deverão
implementar medidas de muito baixo custo quando construam novas
instalações ou desenvolvam novos equipamento, incluindo eletrodomésticos;
Deverão
considerar-se mudanças nas práticas de engenharia para se reduzir a exposição
aos campos EBF de equipamentos e dispositivos, desde que isso produza outros
benefícios adicionais, tais como maior segurança, ou um custo pequeno ou nulo;
Quando
se contemplarem alterações a fontes de campos EBF existentes, a redução desses campos
deverá ser considerada paralelamente com a dos aspetos de segurança, de
fiabilidade e económicos.”
A OMS justifica esta ênfase nos custos “baixos ou
nulos” que deverão ter as medidas precaucionais de redução de exposição aos
campos magnéticos EBF, da seguinte forma: “… a energia elétrica comporta óbvios
benefícios para a saúde, sociais e económicos e as medidas precaucionais não
deverão comprometer estes benefícios. Mais ainda, considerando quer a fraqueza
da evidência de um elo entre a exposição aos campos magnéticos de EBF e a
leucemia infantil, quer o limitado impacto sobre a saúde pública se esse elo
existir, os benefícios para a saúde da redução da exposição não são claros. Por
conseguinte os custos das medidas precaucionais deverão ser muito baixos.”
A estas afirmações da própria OMS, pode-se
acrescentar: é provável que os estudos em curso sobre a leucemia infantil
venham a clarificar de vez a eventual relação entre os campos magnéticos das
linhas de Alta Tensão e aquela doença nos próximos anos. Essa relação pode não
existir de todo, ou existir através de mecanismos indirectos, cuja solução
passe por medidas técnicas que nada têm a ver com as linhas como, por exemplo e
segundo certos autores, os sistemas de ligação à terra das canalizações
metálicas de água das banheiras usadas nos EUA e na Europa do norte.
Seria um disparate social e económico ter apostado
em dispendiosas e dificilmente reversíveis políticas de alteração das redes elétricas
e vir-se entretanto a provar definitivamente a inexistência de qualquer relação
directa entre a exposição aos campos magnéticos dessas redes e a leucemia infantil,
como já está provado relativamente às doenças cardiovasculares e ao cancro da
mama (que, por serem muito frequentes, já permitiram estudos epidemiológicos
conclusivos).
11- A
legislação portuguesa cumpre as recomendações internacionais sobre a limitação pública
aos campos magnéticos?
Desde 2004 que cumpre as recomendações da OMS e do
CE, como foi respondido à pergunta nº3.
12- O que é o grupo “Bioiniciativa”? Como
estabelece as suas posições?
O grupo “Bioiniciativa” é um grupo ad-hoc de cerca de dezena e
meia de investigadores, constituído em 2006, e que contesta as posições da OMS,
reclamando que se deverão tomar medidas de precaução contra as linhas de Alta
Tensão muito mais radicais que as recomendadas por aquela instituição,
proclamando também que as evidências de malefícios para a saúde da exposição
dos seus campos eletromagnéticos são muito mais severos que os reconhecidos
pela OMS.
O grupo “Bioiniciativa” é dirigido pela Sr.ª Cindy Sage, uma
ativista anti-“radiações eletromagnéticas” desde há cerca de 25 anos, de cujo
curriculum público não consta qualquer formação académica mas que é
proprietária da empresa “Sage Associates EMF Design - Environment
Consultants”, a qual tem uma agressiva política comercial, nos EUA, com
grande audiência mediática, vendendo serviços que vão da “protecção pessoal”
ao “projecto de interiores” passando pelo projeto de “linhas aéreas
com baixa emissão de campos magnéticos” e até o download de textos e
vídeos pagos. Apesar desta lucrativa atividade da sua dirigente, o grupo
“Bioiniciativa” acusa os cientistas da OMS de estarem “vendidos” aos interesses
das grandes companhias de eletricidade e, em geral, atribui aos campos
magnéticos, a que chama “radiações”, o tipo de malefícios atribuídos à radioatividade.
Pode-se afirmar, portanto, que o grupo “Bioiniciativa” prossegue as teses do
jornalista Paul Brodeur referidas na resposta á pergunta nº 1, mas
acrescentando-lhe um grande sentido de oportunidade comercial.
Em
Setembro de 2007 o grupo “Bioiniciativa” publicou um volumoso documento, que se
assume explicitamente como um relatório contra as posições da OMS, e que tem
encontrado grande acolhimento em certas franjas políticas mais radicais de
vários parlamentos europeus e nos EUA. Pela sua clara posição de princípio
contestatária, a formação de opinião do grupo “Bioiniciativa” não é reconhecida
pela OMS como obedecendo às práticas científicas internacionalmente
consensuais.
13- É verdade que os limites de
exposição ao campo magnético definidos pela legislação nacional são mil vezes
superiores aos limites estipulados internacionalmente?
Depende
do que se entender por “estipulado internacionalmente”. A única instituição
internacional que defende a limitação da exposição pública aos campos
magnéticos a 0,1 microtesla, de facto um milésimo dos 100 microtesla
recomendados pela OMS, é o grupo “Bioiniciativa” caracterizado na resposta à
pergunta nº 12.
As
recomendações da OMS são coadjuvadas pela Comunidade Europeia para os respetivos
estados membros, conforme se pode ler no relatório mais recente (Março de 2007)
do SCENIHR – Scientific Committee on Emerging and Newly Identified Health
Risks, da Direção-Geral de Proteção dos Consumidores e de Saúde da União
Europeia.
14- As linhas de Alta Tensão são a
principal fonte de exposição pública aos campos magnéticos?
Na
sua proximidade, em geral são. Porém, os circuitos de Baixa Tensão residenciais
e os eletrodomésticos também nos expõem a campos magnéticos, que em geral não
ultrapassam, em média, 0,1 microtesla (por sinal precisamente o limite
reclamado pelo grupo “Bioiniciativa”). Nos EUA a exposição
residencial é maior, atingindo os 0,2 microtesla. É aliás apenas por este
motivo que os limiares investigados para a exposição aos campos magnéticos das
linhas de Alta Tensão se têm situado entre os 0,2 e os 0,4 microtesla, já que
se fossem mais baixos seriam indiscerníveis dos produzidos na Baixa Tensão.
A
poucos metros das linhas aéreas, os campos magnéticos podem atingir alguns
microtesla.
Porém,
valores similares se observam no interior dos automóveis modernos, produzidos
pela rotação dos pneus radiais que se tendem a magnetizar com o tempo, e
valores bastante superiores são frequentes em comboios, na vizinhança das suas
linhas elétricas e no metropolitano.
Por
outro lado, também sobre os passeios de algumas ruas, debaixo dos quais há
invisíveis cabos elétricos subterrâneos de Média e de Alta Tensão, assim como
em alguns pisos de edifícios próximos desses cabos e de transformadores de
distribuição montados no interior de edifícios, os campos magnéticos podem
atingir alguns microtesla, valores frequentemente superiores aos observados a
algumas dezenas de metros das linhas aéreas de Muito Alta Tensão.
15- Que medidas de precaução têm sido
tomadas noutros países relativamente à exposição aos campos magnéticos?
A
esmagadora maioria dos países europeus adotou, como Portugal, a recomendação do
Conselho Europeu de 1999 no sentido de se assumirem os limites recomendados
pela OMS em 1998, mas poucos o puseram na lei como Portugal.
Fora
da Europa são raros os países que adotaram as recomendações da OMS e mudaram
alguma coisa, com exceção da China e do Japão.
Há, entretanto,
alguns poucos países e Estados norte-americanos que têm estado a adotar nos últimos
anos medidas de precaução contra a exposição aos campos magnéticos bastante
mais restritivas que os recomendados pela OMS, concretamente e por ordem
decrescente de exigência quanto aos campos magnéticos máximos admitidos: Suíça,
Israel, Holanda, Califórnia, Itália e Eslovénia. Porém, em caso algum se adotou
aí uma política generalizada de enterramento das linhas, sendo a medida mais
vulgar a de aumentar as distâncias das novas linhas a residências e sobretudo a
escolas, a de criar corredores para as novas linhas com construção interdita e
largura
variável
e, na Suíça, Israel, Califórnia, Japão e Itália também em certos casos a
modificação da geometria dos apoios de linhas já existentes (ver resposta à
pergunta nº 19).
Na
Irlanda, por exemplo, a distância mínima permitida entre as novas linhas e
edifícios pré-existentes é de 22 metros; no Luxemburgo é de 30 metros, mas
apenas para novas zonas residenciais; em Israel cresce com o nível de tensão,
indo dos 3 metros para tensões até 110 kV aos 35 metros para os 400 kV; na
Califórnia os corredores de interdição também aumentam com o nível de tensão, mas
só relativamente a escolas: vão dos 50 metros para 50 e 133 kV, aos 120 metros
para os 500 kV. Um único país afirma que vai enterrar todas as linhas, embora
isso seja uma medida em curso em muitos países islâmicos por razões
provavelmente mais de precaução político-militar do que de saúde pública: a
Turquia.
16- Por que é que não há linhas de Alta
Tensão nas zonas residenciais dos ricos?
É
provavelmente certo que toda a gente viveria em grandes vivendas com jardim e
vistas desimpedidas para o mar e para a montanha ou a floresta, se pudesse. Mas
desafortunadamente nem toda a gente pode, embora em alguns países haja mais
gente a viver assim que noutros.
17- Enterrar as linhas de Alta Tensão
resolve o problema da exposição pública aos seus campos magnéticos?
Só
parcialmente. O campo magnético a que se está exposto na proximidade de uma
linha aérea é proporcional à distância entre os respectivos 3 condutores de
fase, e inversamente proporcional ao quadrado da nossa distância média à linha.
Quando uma linha de Alta Tensão é substituída por um cabo subterrâneo, neste os
3 condutores de fase estão mais próximos uns dos outros, mas em contrapartida o
seu conjunto está muito mais próximo da superfície do solo do que o da linha aérea.
Daqui resulta que, para lá de alguma distância, digamos 5 metros, o campo
magnético do cabo subterrâneo é de facto substancialmente menor que o emitido
pela linha aérea mas, em contrapartida, na sua imediata vizinhança, por exemplo
por cima do cabo, o campo magnético é muito superior ao que há debaixo da linha
aérea! Para reduzir a exposição média ao campo magnético ao limite definido
recentemente na Suíça e Israel (ver resposta à pergunta nº 15), e que é de 1
microtesla, para uma linha de 400 kV será necessária uma distância mínima ao
eixo da linha
de
pelo menos 30 metros, atingindo-se mais de 5 microtesla directamente sob os
condutores; se a linha for substituída por um cabo subterrâneo da mesma tensão
e capacidade, a distância a proibir será apenas de 5 metros, mas exatamente
sobre o cabo o campo será de quase 25 microtesla.
Por
conseguinte, a substituição de uma linha aérea por um cabo subterrâneo reduz a
largura do “corredor” de interdição, mas não o elimina e até intensifica o
campo magnético na imediata proximidade, apesar da invisibilidade dos cabos
poder criar uma falsa ilusão de inexistência desse campo.
18- Que custos tem enterrar as linhas de
Alta Tensão?
Numa
linha aérea, o isolamento é realizado essencialmente pelo ar. Num cabo
subterrâneo o isolamento é feito por plásticos, sendo o respetivo fabrico muito
delicado para as muito altas tensões.
Por
este motivo, o custo dos cabos subterrâneos cresce em flecha com a tensão para
que são projetados, razão por que geralmente não são usados acima de 60 kV, ou
seja, nas redes de transmissão como a da REN. Na União Europeia, um relatório
comunitário contabiliza em 100 km a extensão total de cabos a 400 kV, e em 110
000 km a das linhas aéreas correspondentes.
Para
tensões como os 220 e os 400 kV, um cabo subterrâneo custa, por km e respetivamente,
cerca de 6 e 10 vezes mais que uma linha aérea da mesma tensão e capacidade
(cujo custo se pode tomar indicativamente como 1 milhão de €/km para os 400 kV
e 30% disso para os 220 kV, embora tal dependa do trajeto da linha e, por
consequência, do tipo e número de torres de apoio de que necessitará e que
constituem mais de metade desse custo). Porém, a vida útil de um cabo (20 a 30
anos) é de apenas cerca de metade do de uma linha aérea equivalente, pelo que a
longo prazo o custo do cabo é de fato cerca de 13 a 20 vezes o da linha, respetivamente
para os 220 e os 400 kV. Este custo inclui o cabo propriamente dito e o custo
de o enterrar, nomeadamente a
preparação
do leito de terreno para a sua correta colocação e dissipação de calor, que
para estes níveis de tensão requer em regra a construção de túneis especiais. A
União Europeia estima em pelo menos 5 milhões de € por quilómetro o custo médio
adicional de enterrar linhas de 400 kV (vd. documento “ETSO position on
underground cables”, de 2003). É de notar que face à pressão pública existente
em alguns meios para o enterramento das linhas aéreas, são por vezes indicados valores
idealisticamente baixos para os custos dos cabos; é, neste contexto, importante
não ignorar o grande interesse comercial que a indústria fabricante de cabos
tem nesse enterramento.
Além
destes custos, é de ter em conta que ao longo da sua vida uma linha pode ser
melhorada com relativa facilidade, por exemplo pela modificação dos seus
isoladores de suspensão ou pela substituição dos seus condutores por outros de
maior capacidade; num cabo enterrado essa evolução é impossível. Por outro
lado, o número de avarias por km e por ano que exigem reparação é similar nas
linhas aéreas e nos cabos subterrâneos de Muito Alta Tensão. Porém, enquanto a
localização das avarias numa linha aérea é quase imediata e a sua reparação uma
questão de horas, a localização do ponto da avaria num cabo enterrado é muito
mais complexa e a respetiva reparação pode demorar semanas, com a
correspondente indisponibilidade de transmissão de energia.
Aliás
e por causa disso, a previsão das futuras necessidades de acesso para reparação
de um cabo subterrâneo requer que na superfície que o cobre fique permanentemente
disponível um corredor, impossibilitando qualquer outro uso exceto uma
cobertura de relva. Esse corredor deverá ter, para um cabo de 400 kV, 13 a 14
metros de largura, o equivalente a uma estrada secundária.
19- Há alternativas técnicas e baratas
ao enterramento das linhas de Alta Tensão que reduzam a exposição pública aos
seus campos magnéticos?
Efetivamente
há. Em primeiro lugar, a montagem dos 3 condutores de uma linha em trevo
invertido emite sempre menos campo magnético do que a montagem em esteira
horizontal, ainda que isso não seja usual nas pesadas torres de sustentação das
linhas usadas na Muito Alta Tensão.
Há
depois outras medidas ainda mais eficazes. A primeira e mais barata é, no caso
de se usarem linhas duplas (dois feixes de três condutores partilhando as
mesmas torres de apoio), a escolha adequada da geometria dos apoios e a otimização
da sequência de fases dos condutores. Esta otimização pode reduzir o campo
magnético emitido a uma fração do que existe sem ela, e a distância
de interdição a menos de metade, mas tem se der feita para toda a linha, do seu
início ao seu fim, com um custo fixo entre 350 e 1300 milhares de €
independente da extensão da linha.
Uma
segunda medida, a adotar pontualmente em linhas de muito alta tensão, é o
desdobramento dos seus 3 condutores em vários, com geometrias otimizadas e
torres de apoio especiais para esse desdobramento e que, sendo uma solução mais
complexa e cara que a anterior, é ainda mais eficaz que a anterior e pelo menos
dez vezes mais barata que o enterramento, embora também nem sempre seja
possível ou suficiente. Na Holanda, um estudo encomendado pelo Ministério do
Ambiente do seu Governo à empresa KEMA, mostrou em 2002 que o custo estimado por
edifício “desexposto” ao campo magnético das linhas de Alta Tensão seria de 18,
55, 128 e 655 milhares de €, respetivamente para as soluções de otimização de
fases em linhas duplas, desdobramento de condutores, deslocalização da linha e
o seu enterramento.
Para
níveis de tensão mais baixos, usados na Distribuição pela EDP, há outro tipo de
soluções eficazes, como a compactação das linhas usando condutores revestidos por
isolamento de plástico e que reduz o campo magnético emitido por reduzir a
distância entre condutores, e que a EDP aliás já usa em certas zonas para proteção
da avifauna.
20- Que recomendações faz a OMS aos
políticos relativamente à exposição pública aos campos magnéticos das linhas de
Alta Tensão?
No
seu documento publicado em Junho de 2007, a OMS começa por recomendar às forças
políticas que adotem os guias internacionais sobre a limitação da exposição
pública e dos trabalhadores aos campos magnéticos, o que Portugal já realizou
em 2004. Porém, a OMS recomenda ainda que “os políticos devem estabelecer um
programa de proteção contra os Campos Eletromagnéticos de EBF que inclua
medições de todas as suas fontes, de modo a garantir que os limites de exposição
não sejam excedidos tanto para o público em geral, como para os trabalhadores”,
o que não parece já ter sido realizado em Portugal pelo menos de forma
publicamente visível.
Por
outro lado, recomenda a OMS às “autoridades nacionais” que “realizem uma estratégia
eficaz e aberta de comunicação para permitir a tomada de decisões informadas
por todas as partes interessadas; isto deve incluir informação sobre como podem
os indivíduos reduzir a sua própria exposição”. E afirma a OMS, quanto às
“autoridades locais”, que “ devem melhorar a planificação de instalações
emissoras de CEMEBF, incluindo uma melhor consulta entre a indústria, o governo
local e os cidadãos, ao localizarem as fontes principais de emissão de CEMEBF.”
No
fundo, o que a OMS recomenda aos responsáveis políticos é que mostrem
sensibilidade aos medos dos cidadãos, quer mostrando empenho fiscalizador, quer
esclarecendo, quer promovendo o diálogo entre as partes. Para esse efeito a OMS
publicou até, em 2005, um detalhado “guia de diálogo” de que existe on-line uma
versão em português (do Brasil).
Reflexão:
Espero
que tenham gostado e ficado esclarecidos tanto quanto eu fiquei na pesquisa e
estudo desta temática. Observamos que apesar das opiniões sobre o tema da
perigosidade para a saúde pública não serem unânimes, é possível através destas
compreender a posição da OMS que subscreve que as medidas atualmente adotadas pela
grande maioria dos países são as indicadas, assim como Portugal que legislou as
medidas indicadas pela OMS.
Quero
ainda deixar a minha inteira disponibilidade para o caso de ter permanecido
alguma dúvida. Podem colocá-la neste espaço e tudo farei para a responder de
forma clara e devidamente fundamentada.
Mais
uma vez muito obrigado e até breve, uma feliz Páscoa para todos…. J
Bibliografia:
1. REN.
Sustentabilidade. Campos Eletromagnéticos. [Online] 2012. [Citação: 09
de Abril de 2014.]
https://www.ren.pt/sustentabilidade/ambiente/campos_electromagneticos/.
2. Distribuição,
EDP. Campos Eletromagnéticos. [Online] [Citação: 08 de Abril de
2014.]
http://www.edpdistribuicao.pt/pt/ambiente/desempenhoambiental/Pages/camposEletromagneticos.aspx.
3. Dickman,
EDMUNDO RODRIGUES JUNIOR - Adriana Gomes. POSSÍVEIS EFEITOS BIOLÓGICOS DAS
RADIAÇÕES NÃO - IONIZANTES: RADIAÇÃO ULTRAVIOLETA, E , MICROONDAS. Outubro de
2008.
4. DISTRIBUIÇÃO,
EDP. Campos Electromagnéticos de Extremamente Baixa Frequência (EBF).
Coimbra e Setubal : s.n., 2009.
5. José
Luís Pinto de Sá, Prof. Dr. Engº. 20 PERGUNTAS FREQUENTES SOBRE LINHAS DE
ALTA TENSÃO E SAÚDE PÚBLICA. INSTITUTO SUPERIOR TÉCNICO : s.n., Fevereiro
de 2008.
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